CRÔNICA DE UMA DITADURA DEMOCRÁTICA: UFS, LARANJEIRAS SERGIPE E A VIOLÊNCIA DOS SENTIDOS.
Por
Janaina Mello (Profa. da UFS CampsLar)
Há
cinco anos e dois meses aportei na cidade de Laranjeiras-SE, vinda de Alagoas,
onde passara outros cinco anos como professora da UNEAL. Iniciava uma nova
jornada em minha vida, há mais de cinco anos havia cortado o cordão umbilical
com o Rio de Janeiro, minha cidade natal onde nasci e me criei. Agora, Sergipe
era meu novo horizonte e a Universidade Federal de Sergipe (UFS) a minha nova
casa. Laranjeiras, uma cidade linda, um patrimônio histórico à céu aberto,
cheia de cultura, tanto material como imaterial, sonho realizado de qualquer
amante da história que ao percorrer suas ruas, contemplando os casarios do
século XIX, deleitava-se com as possibilidades de estudo, pesquisa e vivência.
Para mim foram cinco anos de projetos de pesquisa, tecnologia e extensão
diretamente vinculados à cidade. Nela organizei, junto com colegas professores
e alunos, eventos e exposições; nela me realizei e me tornei uma historiadora
de fronteira, interdisciplinar, com visão de campo de saber holística,
transitando entre a História, a Museologia, a Arqueologia e a Tecnologia, ainda
arrisquei flertar com a Antropologia e a Sociologia que também me acolheram com
suas leituras, conceitos e métodos. Artigos resultaram desse intercurso,
artigos para eventos locais, regionais, nacionais e internacionais.
Artigos
foram publicados em revistas acadêmicas Qualis A e B. Sites foram criados,
filmes foram produzidos, entrevistas realizadas. Percorri as ruas da cidade com
os alunos da Museologia e da Arqueologia, fui às escolas do centro e do Conjunto
com os alunos, trouxemos a comunidade de Laranjeiras para dentro dos muros
restaurados do antigo Trapiche para experenciar dois Cafés Coloniais, mais de
cinco exposições, o Cinema na Museologia, as Oficinas de Educação Patrimonial.
Conheci senhorinhas e jovens, almocei em várias casas, as pessoas aprenderam a
me conhecer pelo nome e pelo curso de Museologia que eu represento na cidade,
comi munguzá na praça da igreja matriz, misto no mercadinho e almocei várias
vezes na Mussuca com dona Nadir cantando samba de coco. Participei de Encontros
Culturais em janeiro, como palestrante, como pesquisadora, como apreciadora, da
manhã até a noite. Realizei trabalhos na Casa de Cultura João Ribeiro. Fiz
amigos moradores de Laranjeiras.
Agora
vejo a universidade federal na figura de sua gestão maior virar as costas à
cidade, vejo colegas e alunos falando em Laranjeiras nunca mais! como se fosse
essa a solução para uma violência anunciada que foi crescendo em um contexto de
muitos responsáveis. Quantos professores de tosos os cursos realmente
preocuparam-se em conhecer a comunidade como eu conheci? Quantos dedicaram-se à
proejtos de extensão na comunidade? Quantos são conhecidos pelo nome e
reconhecem os moradores pelos nomes? Quantos alunos saíram de suas salas para
integrar-se à comunidade? Quanto foi investido pela gestão maior da UFS em
programas de integração/extensão comunitária? Digo programas e não projetos
individuais! Há mais de um mês o melhor Secretário de Cultura que
Laranjeiras-SE já teve - Neu Fontes - foi exonerado de seu cargo (justo aquele
que organizou o Plano Municipal de Cultura, realizou foruns e conferências
municipais de cultura, cadastrou os grupos de brincantes, forneceu informações
para que esses grupos adquirissem autonomia e saíssem da órbita da dependência
de cabresto da prefeitura) e a universidade não se manifestou e a população não
se manifestou publicamente! Quantos projetos de auxílio aos dependentes
químicos em Laranjeiras-SE foram finalizados pela atual prefeitura? Aliás, onde
estão os projetos sociais dessa atual prefeitura? Projetos de emanciapação e
não de dependência! Onde estão projetos para cursos profissionalizantes para os
jovens que não vêem perspectivas (informática, eletrônica, eletricidade, obras,
mecânica de carros)? Onde estão projetos para cultura e esporte (formação de
agentes jovens culturais, formação de times em várias modalidades esportivas
para disputar campeonatos)? A prefeitura mostra falta de competência gritante
na gestão da cidade e tenta culpabilizar a universidade por algo para a qual
recebe verbas para executar!!!! O Estado mostra-se omisso, como se Laranjeiras
não fosse parte de Sergipe e o delegado afirma que um efetivo de 4 policiais é
capaz de manter a segurança em meio à uma população urbana com mais de 25 mil
pessoas.
A
população de Laranjeiras está sendo assaltada todos os dias, os índices de
violência contra as mulheres, de estupro e roubo de casas é alarmante. Por três
vezes os vigilantes da UFS foram ameaçados em suas vidas, onde jovens em uma
motocicleta tentaram levar suas armas. Na terceira vez, conseguiram. O campus
foi imediatamente fechado - Ordem de cima! Protejamos o pratrimônio físico da
universidade! - e nós professores e alunos colocados para fora, à noite, para
ainda assustados, rodeados por crianças, buscarmos os demorado transporte para
Aracaju. Na época das manifestações contra o aumento das passagens de ônibus em
todo o Brasil, a comunidade de Laranjeiras fez sua passeata, mas a universidade
informada de que haveria quebra-quebra mandou fechar o campus e colocou
novamente alunos e professores, assustados, sem muitas informações concretas
para fora, num contexto de paralisação de transportes públicos.
Agora,
uma aluna do curso de Dança foi sequestrada e agredida, foi levada ao hospital,
foi à delegacia acompanhada por professoras e a reportagem da TV (SE-TV)
mostrou um policial afirmando ter sido apenas um surto psicótico e que nada
havia acontecido de verdade! Há oito alunos de todos os cursos ameaçados de
morte! Há uma lista! O que a gestão maior deciciu fazer diante desse quadro de
medo, mandou fechar o campus durante 30 dias, sem buscar outras soluções e
agora compõem-se documentos internos para a transferência imediata dos cursos
para o Campus São Cristóvão! Foi uma ordem, um cumpra-se! Justo quando - nós
historiadores - realizamos eventos sobre a Ditadura Militar em todo o Brasil,
temos um cumpra-se, uma ordem sem abertura ao diálogo. Uma decisão de cima! Os
alunos residentes foram para um outro município, estão passando privação de comida,
uma vez que foram recolhidos pela universidade às pressas, objetificados,
tratados como coisas! A população honesta, amiga, acolhedora e parceira de
Laranjeiras está sitiada, assustada dentro de suas casas, pois também tem sido
alvo de roubos e morte. Alguns professores e alunos comemoram a vitória de
finalmente sair de Laranjeiras e ir para São Cristóvão quase ao lado de suas
casas em Aracaju.
Eu e
outros colegas choramos. Choramos a saída de nossa casa, porque nossa casa
sempre foi Laranjeiras. Choramos uma ditadura democrática em pleno século XXI
que se realiza dentro da universidade com ordens de fechamento e transferência,
choramos a ignorância daqueles que acham que venceram mas perderam pois o que
nos espera em São Cristóvão são containers (já que os cursos antigos brigam
pelo espaço que não possuem) e o resun dos alunos impactados por mais mil
alunos provavelmente terá filas quilométricas e falta de comida, a
transferência para o Rosa Else resultará em outras violências (já que a
violência urbana no Estado está generalizada pela falta de estrutura e
investimento em efetivos policiais e em programas de inclusão social,
profissionalização, tratamento de dependência química e empregabilidade).
Choramos porque no final, eles que acham que venceram (os que queriam sair e os
que queriam que nós saíssemos) não sabem o que fazem. Choramos porque perdemos
a nossa casa, os nossos amigos, a nossa família que é Laranjeiras. Choramos
porque Laranjeiras continuará em perigo e nada será feito. Choramos porque a
universidade é covarde e ao invés de acionar a Polícia Federal para uma
intervenção, acionar o Ministério Público Federal, simplesmente escolhe o
caminho de sempre: fechar o campus e nos colocar à todos para fora. Choramos
porque Sergipe perde um campus, de 5 passa a ter 4. Choramos porque os cursos
desmembrados irão para São Cristóvão como retirantes de uma seca violenta de
cérebros pensantes e solidários. Nessa violência dos sentidos ainda acusam a
Museologia de não querer sair, sim, nós não queremos sair, porque ao contrário
de muitos, enxergamos muito mais além do que o imediato, enxergamos e sentimos
na pele a violência dos sentidos que hoje, na madrugada, se manifestou na
invasão e roubo do Museu Afro-Brasileiro de Sergipe em Laranjeiras. Um claro aviso
à Museologia, seus professores e alunos? Choramos porque o governo do Estado
nada faz, a prefeitura nada faz e a universidade quando o faz...faz errado!